Felipe Brito é o entrevistado do domingo

Postado em 15 de novembro de 2015

 

 

“Somos negros e chamar de negro não ofende. Não somos mulatos, escurinhos, marronzinhos e muito menos morenos. Ser afrodescendente não necessariamente quer dizer que se é negro.”

 

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Como a música entrou na sua vida?

Felipe Brito –Fui criado em meio as rodas de samba nas festas da minha família. Sempre regadas de Samba Rock, James Brown, Jorge Bem Jor, Tim Maia, Fundo de Quintal, Beth Carvalho e muitos outros. Sempre fui amante do samba. Meu pai tocava percussão, isso me aproximou deste estilo de música. Além disso, minha mãe, a Dona Ivone, sempre viveu a cantar. Muito afinada e diversificada musicalmente, aprendi a gostar de grandes cantores e cantoras da MPB e da música mundial com ela.

 

Quando descobriu que é tenor?

Felipe Brito – Conta minha mãe, que desde muito criança, por volta de 5 anos, eu já sintonizava as rádios que tocavam música clássica. Desde então me fascinei pelo estilo de cantar que se tem nas óperas. Aos 14 anos comecei a cantar no Coral Cáritas em Mogi das Cruzes. Foi lá que fui classificado vocalmente pela primeira vez como tenor pelo amigo e regente Orivaldo Sebastião Lopes. Cantei por cinco anos neste coro.

 

Como chegou ao Novo Coral de Suzano?

Felipe Brito – Devido à rotina de trabalho e faculdade acabei me afastando da música e do canto coral, ficando quase dez anos sem cantar em nenhum coletivo cultural. Um grande amigo, o renomado barítono Sebastião Teixeira, compartilhou um dos vídeos do Novo Coral de Suzano em que cantavam Let it Be, grande sucesso dos Beatles. Apaixonei-me pelo trabalho. Entrei na página do coral no Facebook e vi que estavam abertas audições para novos cantores. Não tive dúvida. Fui, mesmo muito inseguro e passei. Posso dizer que o trabalho do Cleiton Xavier e de todo o Coral se tornou essencial e vital para mim. É um reencontro com a vida em todos os sentidos e com a minha paixão pela música e arte de cantar.

 

Você atuou na Secretaria de Promoção da Igualdade Racial. Fale um pouco disso.

Felipe Brito – Coordenei a comunicação da Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de São Paulo por quase dois anos. Aprendi muito profissionalmente. Pude lidar com os principais veículos de imprensa do país exercendo a difícil tarefa de colocar na pauta da gigantesca cidade São Paulo e, consequentemente do Brasil, as políticas públicas de enfrentamento ao racismo e a luta pelo combate  às desigualdades. Convivi com lideranças históricas do movimento social negro que muito me ensinaram.

 

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E o candomblé? Foi criado nesse meio? Qual a relação do candomblé com a raça negra?

Felipe Brito – O candomblé é uma religião de matriz africana, portanto de origem negra. Nossas divindades são negras. Eu fui iniciado nas tradições do candomblé aos 11 anos de idade pela grande ialorixá Juju de Oxum, a quem dedico amor e respeito. Amo meus orixás, meus deuses. Quando visto o ideal de lutar pela liberdade religiosa, é no sentido defender o direito de todos, até dos que em nada acreditam. No entanto vivemos em um país em que as pessoas ainda são diferenciadas pela cor e sofrem com a intolerância por crer nestes deuses que são negros. Esta manifestação de preconceito se chama racismo!

 

Temos algo a comemorar no Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro?

Felipe Brito – Mais que comemorar devemos entender o 20 de novembro como uma data de conscientização. Na qual lembramos o mártir Zumbi dos Palmares e temos oportunidade como sociedade de repensar o nosso país como uma nação inclusiva. O racismo mata jovens negros nas periferias brasileira todos os dias. A maior parte da população carcerária no país é negra. Em contrapartida não temos um número significativo de mulheres e homens negros em posições e espaços de poder. Somos um Brasil de mais de 50% declarados negros. E quantos representantes negros temos nos ministérios? E de parlamentares no Congresso Nacional? Tivemos Joaquim Barbosa. Mas ele foi um em quinhentos anos de história de um Brasil negro que ainda segrega. Houve avanços significativos a exemplo das cotas raciais nas universidades, que levou milhões de jovens negros aos bancos universitários. Mas ainda é pouco.

 

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Como você vê o racismo rolando solto nas redes sociais?

Felipe Brito – Esses avanços sociais ocorridos nos últimos 12 anos permitiram que a população negra começasse a ocupar e transitar em igualdade em espaços de visibilidade social, na qual eram segregados. As redes sociais escacaram o quão falso é o mito da democracia racial. Casos como o da jornalista Maju e de Taís Araújo mostram a indignação de segmentos reacionários ao avanço de homens e mulheres negras economicamente e socialmente. É uma síndrome nefasta de senhor de engenho. As pessoas se sentem blindadas pelas redes sociais. Não diriam as mesmas ofensas pessoalmente, mas mostram sua tendência criminosa no Facebook, Twitter e demais redes.

 

Faltam ações sociais e melhores condições não somente para os negros, mas para os brasileiros de maneira geral. Porque os negros são os primeiros a serem afetados por isso?

Felipe Brito – Falei das cotas raciais nas universidades, que nada mais é que uma reparação necessária e histórica para com a população negra. Temos a Lei 10.639/03 que institui o ensino da história e cultura africana nas escolas, Estatuto da Igualdade Racial entre outros avanços. O ideal de sociedade igualitária se perde em uma nação construída pela opressão e exploração de uma raça. A maioria das pessoas não pensa no pós libertação dos negros escravizados. Toda essa população de africanos e descendentes foram jogados na margem da sociedade brasileira. Não houve políticas inclusivas. Trabalho, comércio, indústria e toda geração de renda se concentrou nas mãos dos imigrantes italianos, japoneses, alemães e outros. Essa chaga da omissão do Estado causou esta exclusão social e racial que vivemos.

 

O que acha do termo afrodescendente?

Felipe Brito –Nada mais é que a referência a ascendência africana. Mas existe uma distorção por parte de alguns humoristas oportunistas e mal-intencionados. Nunca houve por parte do movimento negro qualquer reivindicação para que não fossemos chamados de negros, muito pelo contrário. Somos negros e chamar de negro não ofende. Não somos mulatos, escurinhos, marronzinhos muito menos morenos. Ser afrodescendente não necessariamente quer dizer que se é negro. A ascendência africana, mesmo que distante, pode existir em pessoas brancas, desde que tenham ancestrais negros. O racismo vitimiza quem é negro no fenótipo, ou seja, na cor da pele.

 

JOGO RÁPIDO

Um lugar

Terreiro do Ibece Alaketu em Governador Mangabeira – Bahia

 

Um cheiro

Cheiro de terra molhada

 

Uma cor

Todas as cores

 

Um livro

O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint Exupéry

 

Um filme

A espera de um Milagre

 

Uma música

HowCan I Go On com Freddy Mercury e Montserrat Caballé

 

Um momento

Todos momentos em que me reencontro comigo mesmo

 

Um homem

Manoel Cerqueira de Amorin – Pai Nezinho de Ogun

 

Uma mulher

Ivone Dreger – minha mãe!

 

Deus

Em tudo que se tenha fé!

 

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