Rômulo Cabrera ficou 146 dias sem ela

Postado em 29 de novembro de 2015

 

“A experiência me ajudou a compreender melhor as coisas. Nossas discussões acerca do cenário moderno não saem do plano das ideias. O que concluí é que sim, as pessoas estão preocupadas com muitas coisas; a cidade é fria e cinza.”

 

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Este é seu último ano de jornalismo. Qual área pretende seguir?

Rômulo Cabrera – Faltam algumas semanas, para ser mais preciso. Eu ainda não pensei nisso, mas diria que gostaria de continuar meus estudos e, quem sabe, prosseguir nesse campo de pesquisa da imersão; do jornalismo imersivo. É uma modalidade no campo da comunicação social que muito me interessa, então não vejo o porquê de não explorá-la mais e mais.

 

Você se considerava um dependente da internet?

Rômulo – Sim, assim como a maioria das pessoas hoje. Não chegava a ser um vício (o que ficou provado nesta experiência que fiz), mas eu era um dependente, sem sombra de dúvida. Necessitamos dela, isso é um fato. Minha geração, aliás, nasceu mergulhada nessa realidade que está intrinsecamente ligada ao virtual. Diferente, por exemplo, das gerações que nasceram antes dos anos 1990 onde a internet, tal qual a conhecemos hoje, nem existia.

 

Como surgiu a ideia de fazer o seu TCC usando a experiência de ficar desconectado da internet por 146 dias?

Rômulo – Surgiu de uma vontade pessoal (e existencial, em certo sentido). Mas, basicamente, foi uma tentativa minha de reproduzir uma modalidade no jornalismo que muito me interessa: o jornalismo de imersão. Li “Um Ano Bíblico”, um livro-reportagem de um jornalista americano chamado Jacobs: nele, o americano tenta seguir literalmente o preceitos do Velho e Novo Testamentos. Queria fazer algo parecido, todavia, com algo próximo a mim, como a internet, pois passava quase 12 horas conectado. Meu objeto de estudo estava diante de mim. Meu objetivo era escrever um livro-reportagem sobre a minha experiência desconectado da internet e de outras tecnologias ligadas em rede (celulares, cartões magnéticos, Bilhete Único, caixas eletrônicos e até videogames). Não faria um estudo técnico sobre as redes, mas um relato humano sobre essa tentativa insana de viver um longo período desconectado. A máxima “a internet aproxima, mas também nos afasta” é verdadeira. Tento compreender e responder todas essas perguntas por meio de minha imersão; minha experiência na praxis. No dia 1 de junho me desconectei e passei um total de 146 dias longe das redes.

 

Como foi sua adaptação? Mandava cartas?

Rômulo – As primeiras semanas foram difíceis, mas o foco no trabalho me manteve firme em meu objetivo: a experiência, o livro. Doei meu celular a um amigo e passei a usar orelhões; enviei algumas cartas (uma delas, aliás, endereçada ao amigo e filósofo Marco Maida que escreveu o prefácio de meu livro).

 

As pessoas respondiam ou te zoavam?

Rômulo – É bom deixar claro que não enviei dezenas de cartas. Foram cinco ou oito durante o meu ‘celibato virtual’.

 

Usava orelhões para se comunicar? Funcionou?

Rômulo – Eu tinha o telefone fixo de casa e os orelhões (quando os encontrava funcionando, claro) nas ruas. Sobre ser alvo de brincadeiras de meus amigos: sim, fui um alvo fácil. Mas o legal é que eu mesmo tirava sarro de minha situação (algo que reproduzi no livro em vários momentos).

 

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E como fez neste período para se atualizar?

Rômulo – Gosto de dizer que passei por três efeitos colaterais: nunca me sentia plenamente desconectado (gosto de dizer que vivendo próximo à metrópole, uma desconexão tal qual eu planejei se tornou uma tarefa hercúlea); me sentia mal informado. Voltei a comprar jornais e, principalmente, a assistir aos noticiários como em maratonas de séries americanas; e, finalmente, depois de algum tempo passei a me sentir longe dos outros (o que me levou a fazer o experimento social na Avenida Paulista – levei uma plaquinha com os dizeres: “ESTOU SEM INTERNET E CELULAR, PRECISO CONVERSAR. QUER ‘TC’ COMIGO?”.

 

No trabalho como fez?

Rômulo – Eu estou desempregado e creio que minha experiência não se encaixaria nos padrões convencionais de trabalho. Preferi fazer “freelas” que não exigissem conexão com internet. Passei a dar aulas particulares de edição de vídeo e imagens para um amigo em São Paulo. O dinheiro era pouco, mas o suficiente para pagar as poucas contas que eu tinha.

 

Como foi a ação na Paulista?

Rômulo – A experiência na Paulista foi riquíssima. Rendeu um ótimo e divertido capítulo no meu livro. Passei duas horas próximo à Rua Augusta. Doze pessoas pararam para conversar comigo. Parece pouco, mas para uma intervenção na Paulista, em horário de pico, doze pessoas é muita gente. (rs)  A experiência me ajudou a compreender melhor as coisas. Nossas discussões acerca do cenário moderno não saem do plano das ideias. O que concluí é que sim, as pessoas estão preocupadas com muitas coisas; a cidade é fria e cinza. Muitos preferem o conforto de uma segunda tela a ter de conversar com um estranho na rua. Mas nem todos são assim. As pessoas querem conversar, querem um tempo só delas (ou dividi-la com outras pessoas), mas precisam de um incentivo, um motivo (talvez); ali na Paulista eu era esse estímulo.

 

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Voltou com a mesma intensidade anterior depois deste período de “detox”?

Rômulo – Voltei com a mesma intensidade de antes (nada extremo acho). Mas hoje me permito, sem vergonha alguma, passar mais horas conectado, fuçando, ou passando um tempo só rolando o feed de notícias das redes sociais. Essa é a nossa realidade, queiram ou não. Não conseguimos fugir disso; da onipresença da malha virtual. Nossa sociedade se configura nela; sob suas regras.

 

O que pretende com o livro “146 dias sem ela”?

Rômulo – Pretendo defendê-lo em minha banca, apenas. Depois disso, talvez levar a alguma editora. Quem sabe queiram publicá-lo? (rs) As possibilidades estão aí, não é?

 

 

JOGO RÁPIDO

 

Um lugar

Meu quarto

 

Um cheiro

De livros

 

Uma cor

Vermelho

 

Um filme

Rocky, Um Lutador

 

Uma música

Cohab City

 

Um momento

Difícil essa, hein?

 

Um homem

Pai Mei

 

Uma mulher

Ellen Roche

 

Deus

Uma metáfora

 

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